Em um primeiro momento, as apostas podem parecer inofensivas — uma simples forma de distração. Mas a verdade é que os jogos de azar representam um risco tanto para o indivíduo quanto para a saúde pública. Diante da crescente popularidade dessas modalidades, o tema já foi alvo de pesquisa. Segundo o relatório da Comissão de Saúde Pública da Lancet sobre jogos de azar e apostas esportivas, o jogo deve ser tratado como uma questão de saúde pública, assim como outros produtos viciantes e prejudiciais, como o álcool e o tabaco.
Enquanto, para a indústria, esse é um mercado em rápida expansão e altamente lucrativo, do outro lado estão pessoas e famílias enfrentando consequências graves. O documento, publicado por uma das principais revistas científicas do mundo, aponta que os danos associados ao vício são amplos: afetam não apenas a saúde e o bem-estar do jogador, mas também suas finanças, relacionamentos e dinâmica familiar. O impacto se estende às comunidades, com consequências que podem durar toda a vida e agravar desigualdades sociais e de saúde.
Por isso, a Comissão defende a implementação de uma regulamentação eficaz do setor em todos os países, além do acesso universal a tratamento e de campanhas para ampliar a conscientização sobre os riscos. Outras recomendações incluem definir idade mínima, exigir identificação obrigatória e estabelecer limites de depósito e de apostas.
Quem está jogando?
De acordo com um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mais de um quarto da população brasileira com 14 anos ou mais já se envolveu em jogos de apostas em algum momento da vida. O dado mais preocupante, porém, é outro: cerca de 10,9 milhões de brasileiros apresentam comportamento de jogo de risco — ou seja, criam problemas emocionais, familiares, econômicos ou profissionais relacionados ao hábito de apostar.
Esse grupo manifesta sinais de perda de controle, tentativas repetidas de recuperar perdas financeiras, sentimentos de culpa e prejuízos à vida social e emocional, indicando vulnerabilidade significativa. “Aproximadamente 1,4 milhão de brasileiros atingem escores compatíveis com o diagnóstico provável de transtorno do jogo, refletindo uma condição clínica mais grave, com impacto relevante sobre a saúde mental e a qualidade de vida”, aponta o estudo.
Os dados também revelam maior vulnerabilidade entre adolescentes — principalmente do sexo masculino — ao desenvolvimento de padrões de aposta prejudiciais. As maiores prevalências foram observadas no Nordeste (52,3%) e no Norte (46,2%). Além disso, o levantamento mostra que a menor renda pessoal está associada ao maior envolvimento em jogos, o que reforça a vulnerabilidade socioeconômica relacionada ao comportamento de aposta no país.
As chamadas bets — plataformas digitais de apostas, sobretudo esportivas — já são o segundo tipo de aposta mais comum no Brasil, atrás apenas das loterias.
O limite não está claro
Mensagens como “jogue com responsabilidade”, exibidas em letras minúsculas nas propagandas e nos perfis de influenciadores, estão longe de ser suficientes. Segundo o estudo da Unifesp, para reduzir os danos do vício em apostas é essencial regulamentar a publicidade, supervisionar as plataformas digitais, realizar campanhas de conscientização e criar políticas tributárias que destinem recursos à pesquisa, à assistência e à prevenção.
Também é necessário “adotar uma abordagem ampla, que considere os determinantes socioeconômicos e comerciais do jogo, em vez de tratar o tema apenas como uma questão de responsabilidade individual”.
Em resumo, controlar o consumo dos apostadores é também uma forma de cuidar da saúde de todos. Afinal, quando o vício se instala, o impacto não é apenas pessoal — é coletivo e financeiro. E, em um país onde a maioria da população depende do SUS, o aumento de casos de ansiedade, depressão e transtorno do jogo pode ampliar ainda mais as filas de espera por atendimento em saúde mental.
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Referências:
https://lenad.uniad.org.br/cadernos-lenad/Caderno-Jogos-de-Aposta-LENAD-III.pdf
https://www.thelancet.com/journals/lanpub/article/PIIS2468-2667(24)00248-2/fulltext
