Um exame que pode detectar até 50 tipos de câncer: o que isso significa?

Diagnosticar o câncer com um simples teste de sangue pode estar mais perto do que se pode imaginar. Entenda como a ciência pretende fazer isso
Luana Araujo
Publicado em 30/10/2025 - 19:05 - Revisado em 25/11/2025 - 15:25

Imagine fazer um simples exame de sangue e descobrir, de forma precoce e sem nenhum sintoma, se há sinais de câncer em qualquer parte do corpo. Parece ficção, certo? Mas essa é a promessa de uma nova geração de testes conhecida como detecção precoce de múltiplos cânceres (multi-cancer early detector – MCED). 

O que são e como funcionam?

Estes exames analisam pequenas partículas de DNA que são liberadas por células tumorais na corrente sanguínea. Através de técnicas avançadas de sequenciamento genético e inteligência artificial, eles identificam padrões que indicariam a presença da doença — podendo até sugerir onde o tumor está localizado.

Um dos testes mais conhecidos é o Galleri, desenvolvido por uma empresa chamada GRAIL e que promete detectar até 50 tipos de câncer com apenas uma coleta de sangue. Alguns estudos nos Estados Unidos e no Reino Unido têm avaliado o Galleri em grupos de pacientes e os resultados têm sido animadores: no mais recente Congresso Europeu de Oncologia, os dados apresentados foram encorajadores, mas ainda apontam para aspectos que precisam ser melhor desenvolvidos. Importante destacar que estes dados, apesar de apresentados em conferência internacional, ainda não foram revisados por pares e publicados em revista científica. 

Resultados do Galleri

Em um grupo de mais de 25 mil pacientes assintomáticos, o teste foi positivo em 1% dos indivíduos analisados. Destes, em seguimento de 12 meses após o teste, 62% foram diagnosticados com algum tipo de câncer por outros métodos. O teste teria sido especialmente interessante naqueles tumores em que não há um método de rastreamento bem definido, como os de estômago, pâncreas, fígado, esôfago e ovário. Nove em cada 10 tumores tiveram sua origem corretamente identificadas. No grupo dos 99% restantes, composto por indivíduos com resultado negativo, nada foi encontrado no período de acompanhamento. 

Estes números parecem muito animadores, mas escondem algumas preocupações importantes: a primeira diz respeito aos 38% dos pacientes com resultado positivo e que, durante os 12 meses subsequentes ao teste, não foram diagnosticados com câncer. Considerando que o teste não tem por objetivo prever o aparecimento do câncer, mas diagnosticá-lo precocemente, este seria um alto valor de resultados falsos-positivos, ou seja, quando o teste dá positivo, mas o indivíduo não tem realmente aquela condição ou doença. Qual o problema? Pacientes sendo submetidos a investigações múltiplas, possivelmente invasivas e caras, sem qualquer necessidade.

O segundo aspecto de cuidado diz respeito a quem se beneficiaria mais com este teste. Considerando o baixo número de pacientes com câncer em uma população habitualmente saudável (baixa proporção não significa menor problema, que fique claro), a aplicação generalizada de um teste como este pode, hoje, significar fazer mais mal do que bem. Mas, se aplicado em grupos de maior risco, pode ajudar imensamente no rastreio e intervenção precoce sobre a doença.

Por último, o custo: testes semelhantes estão na faixa das centenas de dólares, o que torna impraticável o seu uso em larga escala e com equidade na maior parte dos países, principalmente naqueles de baixo e médio desenvolvimento econômico. Uma iniquidade que não pode ser tolerada e precisa ser abordada desde já. 

O que podemos aprender com o teste?

Em resumo, este teste ainda passa por avaliações em larga escala, portanto, não está disponível no momento em contexto fora de pesquisa científica e também ainda não sabemos se ou quando estará por aqui. De qualquer maneira, ele não substitui ou pretende substituir o rastreamento já existente, principalmente aqueles já bem estabelecidos, como mamografia, colonoscopia ou Papanicolau. Ele seria um complemento, uma nova ferramenta à disposição nesta luta. Sua adoção, se no horizonte, exigirá avaliação de viabilidade econômica, disponibilidade de laboratórios, políticas de cobertura e de incorporação no SUS e treinamento importante das equipes de saúde. 

Mesmo assim, essa tecnologia representa um marco na medicina de precisão. Ela mostra como ciência e inovação estão se unindo para transformar o diagnóstico precoce, oferecendo esperança de um futuro em que detectar o câncer será tão simples quanto fazer um exame de rotina.  

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